Uma bolinha minúscula do meu sorvete preferido.
Uma só.
Quanto mais sofisticado o restaurante, menor a porção
da sobremesa.
Aí a vontade que dá é de passar numa loja de
conveniência, comprar um litro de sorvete bem cremoso e saborear em casa com
direito a repetir quantas vezes a gente quiser, sem pensar em calorias, boas
maneiras ou moderação.
O sorvete é só um exemplo do que tem sido nosso
cotidiano.
A vida anda cheia de meias porções, de prazeres
meia-boca, de aventuras pela metade.
A gente sai pra jantar, mas come pouco.
Vai à festa de casamento, mas resiste aos bombons.
Adora tomar um banho demorado, mas se contém pra
não desperdiçar os recursos do planeta.
Quer beijar aquele cara 20 anos mais novo, mas tem
medo de fazer papel ridículo.
Tem vontade de ficar em casa vendo um DVD,
esparramada no sofá, mas se obriga a ir malhar.
E por aí vai.
Tantos deveres, tanta preocupação em 'acertar',
tanto empenho em passar na vida sem pegar recuperação...
Aí a vida vai ficando sem tempero, politicamente
correta e existencialmente sem-graça, enquanto a gente vai ficando
melancolicamente sem tesão...
Às vezes dá vontade de fazer tudo 'errado'.
Deixar de lado a régua, o compasso, a bússola, a
balança e os 10 mandamentos.
Ser ridícula, inadequada, incoerente e não estar
nem aí pro que dizem e o que pensam a nosso respeito.
Recusar prazeres incompletos e meias porções.
Nós, que não aspiramos à santidade e estamos aqui
de passagem, podemos (devemos?) desejar várias bolas de sorvete, bombons de
muitos sabores, vários beijos bem dados, a água batendo sem pressa no corpo, o
coração saciado.
Um dia a gente cria juízo.
Um dia.
Não tem que ser agora.
Por isso, garçom, por favor, me traga: cinco bolas
de sorvete de chocolate, um sofá pra eu ver 10 episódios do 'Law
and Order', uma caixa de trufas bem macias e o Richard Gere, nu,
embrulhado pra presente. OK?
Não necessariamente nessa ordem.
Depois a gente vê como é que faz pra consertar o
estrago...
(Danuza Leão)
"Você nasce sem pedir e morre sem
querer.
Aproveite o intervalo." (Desconheço o autor)
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